Antes da Meia-noite

Título original Before Midnight Realização Richard Linklater IMDB

Nove anos depois de os deixarmos (em Antes de Anoitecer) Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy) passam férias na Grécia com as filhas de ambos e o filho de Jesse do seu primeiro casamento. Acompanhamos uma tarde e uma noite da vida de casal, desde a ida ao aeroporto de onde o filho de Jesse regressa aos EUA até antes da meia-noite.

Como escrever sobre Before Midnight? Escrever sobre este filme deve ser particularmente complicado para qualquer um que tenha sido cativado, 18 anos atrás – céus, 18 anos atrás – pelo singelo Antes do Amanhecer e, quando nada o fazia prever, pelo assombroso, deslumbrante, seminal, extraordinário Before Sunset. Para mim, pelo menos, é complicado.

Talvez começando pelo menos complicado, a realização de Linklater não desilude. Não me parece que tenha “inventado” nada com este filme, mas realiza-o muito bem. É visualmente muito bonito, consegue filmar o ambiente do Peloponeso de maneira a que o espectador “sinta” o Peloponeso. O cenário não é apenas um pretexto. Retrospectivamente, é um elogio que se pode estender aos encontros anteriores, Linklater não filmou Paris como tinha filmado Viena. Pode parecer um elogio um bocado descabido, mas não é. A indústria cinematográfica tende a “normalizar” a forma como se ilumina e se fotografa de tal forma que qualquer sítio “sabe” a qualquer outro sítio. É um efeito pretendido até por razões económicas, para que possam filmar cenas em Toronto e fazê-las passar por Nova Iorque, só por ser mais barato filmar em Toronto. O filme também tem uma grande sequência passada num quarto de hotel e também aí a realização é bem conseguida, usando o espaço de forma a reforçar a cena.

Ethan Hawke e Julie Delpy abordam as personagens na linha do que fizeram em Before Sunset. Ambos estabeleceram uma caracterização muito forte de Jesse e Céline em Before Sunset e em Before Midnight o que me parece que tentaram fazer foi apresentar-nos esse Jesse e essa Céline sob o efeito dos 9 anos de vida em comum que separam o seu reencontro em Paris e estes dias no Peloponeso.

Da parte de Julie Delpy parece-me que foi completamente conseguido. A sua Céline tem uma continuidade quase perfeita com a de Before Sunset e desenvolve algumas facetas da personalidade de Céline que eram intuídas em Before Sunset mas não completamente mostradas. Ethan Hawke também consegue re-constituir o Jesse de Before Midnight e partir dele para um homem 9 anos mais velho. O problema é que o argumento (de Linklater, Hawke e Delpy) introduz algumas nuances em Jesse que não me parecem muito de acordo com o “momento definidor” da personagem e fazem com que algumas coisas que saem da boca de Hawke sejam difíceis de aceitar serem proferidas por esse Jesse, algo que não acontece com Céline.

Não se espere de Before Midnight uma visão fácil. Apesar da aparência estival e leve não é um filme “fácil”. E será mais difícil quanto mais o espectador estiver investido na história de Jesse e Céline. Se vale a pena? Penso que sim. Penso que nos últimos 20 anos ninguém mais, dentro do sistema de produção americano, tentou abordar seriamente as questões da vida adulta desta forma sem subterfúgios e Linklater, Hawke e Delpy conseguem fazê-lo, e de forma original, construindo uma vida adulta para as personagens de um filme que não seria suposto ser mais do que um simples filmezinho para encaixar no género comédia romântica em 1995. Before Midnight vale a pena, mesmo não atingindo a “perfeição” de Before Sunset. Mas, como alguém cativado pelo tal simples filmezinho em 1995, tenho algum receio daquilo em que Linklater, Hawke e Deply possam querer tornar Jesse e Céline daqui por 9 anos.