Saturday 7 December 2013

A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2

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Título original La Vie d’Adèle - Chapitres 1 et 2
Realização Abdellatif Kechiche
IMDB  

Adèle (Adèle Exarchopoulos) é uma aluna do 10.º ano à procura de qualquer coisa que a complete. Os seus dias começam com uma viagem de autocarro e outra de comboio até chegar ao liceu. Um dia cruza-se com Emma (Léa Seydoux). Um encontro fortuito que transformará a sua vida.

Baseado numa banda desenhada de Julie Maroh, Le bleu est une couleur chaude (O azul é uma cor quente), La Vie d’Adèle… pode ser analisado de duas perspectivas: como adaptação e como filme propriamente dito.

La Vie d’Adèle…: como adaptação

Le bleu est une coleur chaude é uma banda desenhada pessoal e intimista de Julie Maroh. Uma recensão pode ser encontrada na BD Gest. Como adaptação, digamos que o filme é verdadeiramente inexistente. Adellatif Kechiche pegou na ideia do encontro das duas principais personagens, manteve o cabelo azul de Emma e a partir daí fez o que lhe apeteceu, inclusivamente mudar o nome de Clémentine para Adèle. De alguma forma intitular o filme como “La vie d’Adèle…” pretende marcar o corte com a obra original. Aliás, Maroh não participou de forma nenhuma no filme e em ocasiões diversas Kechiche assumiu que o que o projecto começou como adaptação e acabou como algo muito diferente. Curiosamente o título dado pelo distribuidor americano ao filme (Blue Is the Warmest Color) recupera a ligação à BD, provavelmente para explorar a visibilidade desta junto do público do “circuito gay”. O que não deixa de ser irónico, já que “La vie d’Adèle…” tem sido aí bastante mal recebido.

La Vie d’Adèle…: como filme

Mas porque raio ganhou este filme a palma d’ouro em Cannes? O que viu o júri neste filme? La vie d’Adèle é para o espectador uma imensa frustração. Como filme é uma gigantesca colecção de clichés. Nunca somos surpreendidos por coisa nenhuma porque estamos sempre à espera de tudo, de tal forma a estrutura do filme é convencional e tarefeira. Começamos com a costumeira história de “coming of age” de uma adolescente que procura o amor e o encontra mas onde menos esperava, as amigas que julgava verdadeiras e não o são, o amadurecimento de uma relação e finalmente o seu desenlace, tudo exactamente na maneira do costume, salvo a diferença de que Adèle se apaixona por uma mulher. Se tirarmos Emma e colocarmos um homem este é um enredo já feito 1000 vezes. Credo, mesmo mantendo uma mulher no lugar de Emma, este também é um enredo já feito 1000 vezes. Ainda por cima Kechiche junta a isto uma não menos gigantesca colecção de lugares comuns: as mulheres oriundas da classe trabalhadora (como Adèle) vivem o amor centrando a sua vida no objecto da sua afeição, cozinhando, sendo “donas de casa”; as pessoas oriundas da classe média-alta (como Emma) têm dificuldade em lidar com a falta de ambição das suas caras-metade oriundas da classe trabalhadora; as pessoas da classe trabalhadora têm amigos “étnicos”, os grupos de raparigas têm um amigo gay e por aí fora. Nunca na minha vida contaria encontrar um tal chorrilho de preconceitos e tamanha falta de mundo num filme de alguém com o background de Abdellatif Kechiche. Mas as deficiências narrativas deste filme não se ficam por aqui. Quando o filme começa Adèle está no 10.º ano. A certa altura já é educadora de infância, ou seja, transcorreram pelo menos quatro anos nesse espaço narrativo mas Kechiche não consegue transmitir-nos isso de forma alguma. A gestão de continuidade é má e a gestão do espaço também. A certa altura parece que Kechiche está a tentar ver quantas vezes é que pode mostrar o mesmo exterior ao espectador sem que ele perceba que já viu aquele local em qualquer lado.

Por outro lado o filme é tão sôfrego de Adèle, tão centrado nela, que a história tem dificuldades em “respirar”. Emma, como personagem, não existe. O filme começa e acaba e nunca chegamos verdadeiramente a conhecer Emma. Outro problema é o excesso de sexo. As cenas de cama são demasiadas e a sua duração também é exagerada. Não o digo por ter ficado escandalizado nem nada do género, apenas porque de facto estão completamente a mais no filme. Se retirássemos as cenas de cama, o filme não perdia absolutamente nada e isso é o sinal mais evidente de que são supérfluas. Além disso são demasiado explícitas e deselegantes. Nem parecem realizadas pela mesma pessoa que realizou o resto do filme – cinematograficamente parece que saíram de um filme amador manhoso. E são muito mal fotografadas, de um contraste gritante com o resto do filme, onde a fotografia tem momentos muito bons, alguns de uma beleza cativante, principalmente nas cenas urbanas em que a câmara segue Adèle no seu trajecto casa-escola, ou numa manifestação da CGT, ou num desfile gay pride.

No resto do filme a realização abusa dos grandes planos. Grandes planos para tudo e alguma coisa. Mesmo que não venham a propósito e mesmo que assim se perca o fio condutor da acção. Acaba por ser incomodativo e sufocante. E a figuração de Adèle tem uma óbvia intenção de seguir o arquétipo da Marianne, algo que parece completamente despropositado. Outro problema indisfarçável é que, tendo como peça central uma história de amor entre duas mulheres, este filme figure o amor entre mulheres como um fantasma masculino. Não admira que seja mal recebido pelo público gay, dado que é tão nitidamente uma figuração de fantasmas heterossexuais.

E alguma coisa se salva de La Vie d’Adèle…? Apenas as interpretações. A interpretação de Adèle Exarchopoulos, absolutamente espantosa, que carrega o filme às costas, o que em certa medida é ampliado pelo excesso de grandes planos. Se a sua interpretação não fosse fora de série ninguém resistiria 15 minutos dentro da sala. Exarchopoulos carrega o piano e Kechiche “recompensa-a” expondo-a em câmara de uma forma completamente excessiva e gratuita. A interpretação de Léa Seydoux, que faz milagres com uma personagem que o argumento deixa tão indefinida. E também as interpretações de Alma Jodorowsky, Jérémie Laheurte, Benjamin Siksou e Salim Kechiouche. Este filme tem um elenco excepcionalmente bom que desperdiça de uma forma estrondosa.

2 comments:

  1. ok, obrigada pelo aviso! :)
    só uma dúvida: quem é a Mariane? 'E a figuração de Adèle tem uma óbvia intenção de seguir o arquétipo da Marianne,..."

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